sexta-feira, 23 de abril de 2010

Parte 2

A palavra escrita no céu era “Sal”.
Sal. (E), Não há tempo a perder. Nunca há tempo a perder. Mesmo que o pântano pareça calmo – o pântano parece calmo. Mesmo que as cores do pântano, o cheiros, e a neblina do pântano sejam os mesmos – o verde–podre, o ocre, o azul – petróleo, o amarelo deslavado do céu – o chumbo da madeira das árvores. Mesmo que só se ouçam os insectos sem nome nem inteligência – um zumbir. Perde-se algum tempo a esticar o pescoço da escuridão do chão, da cabana, da poça de água e lama e arbustos junto aos pés,para a água preta junto às palhas onde se deitam as costas, para a luz fina do céu, e sentir, o Sal na boca, ver o sal no céu – porque se vive na urgência. As mãos, os pés, as sinapses. As córneas.
Está um dia de Sol no pântano, escondido pelas nuvens reflectidas no céu, e a paisagem repete-se de novo até ao seu início. Duplicada.
Mas isto é uma ilusão, mesmo sendo um mundo inteiro. Mesmo noutro mundo, ele pode ouvi-lo respirar, sentir o mesclar,, longe da vista e do ouvido, das poças e dos charcos, dos lamaçais e dos paludes,, com madeira seca e folha verde, com escuridão das copas contra escuridão dos pântanos, verde-negro, cinzento-chumbo, garra, osso, escorregadio,, sal, terra.
O dia é para urgência, como todos. Mas há um perigo no ar. A qualquer altura o seu domínio (mundo) pode ser invadido e rompido por forças do exterior – iguais às suas, ou humanas. E morre-se;, na verdade morre-se. A ilusão tem a força de um papel, tem sempre a força de um papel há – anos, momentos, eras(?), – pode-se senti-lo, no ar translúcido e ligeiramente eléctrico, no vapor doente mas supérfluo dos charcos de água podre, será que existirá uma tampa de esgoto por debaixo desta lama. Não há ainda, mas a ameaça existe. E aparentemente aconteceu alguma coisa lá fora – mas que tempo é este?

Um relampejo pouco breve de luz no céu, perto do horizonte. Confirma-se, ele vem aí! Concentra-se na existência a pouco e pouco, enquanto procura descobrir de novo o significado da palavra fugir, em casa. Neste mundo, haverá uma estrada algures. Algum dia a floresta terá de começar.
- Olha –
Hoje não é o dia. Hoje é mais um só dia. E enquanto faz girar o pântano na sua direcção como a roda dentada na quarta dimensão, houve um tremor. Estica o braço, toca no ar, fino, fino como papel. Não um bater. Ouve picaretas.




Parte 3: